terça-feira, 30 de setembro de 2008

Resumo do Jardim das Aflições - Parte VI

A aristocracia do novo império é, portanto, maçônica e a maçonaria desempenha o papel sacerdotal do poder moderador, de abrigar as facções de poder em disputa e legitimar o vencedor. Ela se distingue da Igreja não tanto pela sua ideologia infinitamente elástica mas seu modo secreto de funcionamento.

De fato aquilo que caracteriza a política contemporânea desde a participação maciça da maçonaria e de outras sociedades secretas nas revoluções americana e francesa é o poder acumulado das organizações secretas, cuja influência (na maior parte das vezes não direto, mas sacerdotal, como foi observado acima) chega a ser tanta que ela se torna inimaginável para o homem comum. O próprio imaginário do cidadão da sociedade democrática moderna, impregnado com a imagem da época contemporânea como a época da expansão dos direitos, impede que a noção da ação secreta na política seja algo mais que uma hipótese abstrata.

Esse despreparo do homem contemporâneo e em particular do intelectual é uma peça chave para que a influência das sociedades secretas chegue a moldar as concepções da população inteira. Pois isso significa que, quando ele conhece alguma sociedade secreta/esotérica ou guru misterioso, o intelectual moderno se encontra sem instrumentos para elaborar criticamente suas experiências. Desse modo, ele tende quase sempre à subserviência e à mistificação do fenômeno, ocultando sua verdadeira natureza e aumentando seu poder sobre o imaginário social.

A maçonaria, dado seu caráter secreto, só pode ser o esoterismo da religião do Império. Qual seria seu exoterismo? É a pluralidade de seitas que se multiplicam no ambiente democrático, protegida pelo estado laico, que Olavo no Jardim considera como o único “ganho” real da revolução americana.

O estado laico foi originalmente o arranjo escolhido para manter a paz numa nação nascente onde havia uma notável variedade de seitas protestantes. Sua conseqüência, no entanto, foi “a liquidação do poder político das religiões”.

No Estado laico, toda lei religiosa cessa de ter qualquer validade pública. Por isso, os critérios que presidem a vida social são supra-religiosos e o Estado se torna o árbitro entre os conflitos entre leis religiosas. Assim as leis religiosas só podem ser seguidas na medida em que elas estão de acordo com a moral oficial promovida pelo Estado. Ou seja, a religião é reduzida ao conceito de “espiritualidade privada” ou “religiosidade”, um adendo subjetivo, suplementar à moral laica.

Reduzidas à um aspecto subjetivo, individual, as grandes religiões, que formaram e sustêm as civilizações históricas, são equiparadas às seitas, dando a impressão do “supermercado religioso”. Não podendo aderir a qualquer lei religiosa, o Estado nega o direito à perpetuação das tradições religiosas por parte dos pais e protege o direito dos filhos de abandonarem as mesmas. De um modo geral, o Estado privilegia as morais agnósticas em qualquer disputa e convida todos a abandonarem seus grupos de referências com suas morais “suplementares”.

A religião, no entanto não é apenas uma moral subjetiva. Ela dá ao homem uma imagem simbólica do mundo, transmitida por meio de narrativas míticas (que fixam cosmovisões, valores e princípios educacionais) e iniciáticas (que atualizam e adaptam os mitos às situações locais e específicas). Ao reconhecer as situações das narrativas na sua própria vida, o ser humano é capaz de discernir o sentido da sua vida. Os mitos não estão aí para serem interpretados, mas para serem a chave para a leitura da realidade.

O cidadão do Império maçônico interpreta o mundo com base em mitos maçônicos, os quais passam a predominar nos séculos XVIII e XIX quando narrativas maçônicas passam a predominar nas grandes obras literárias. O desenlace derradeiro das narrativas cristãs se encontrava na salvação da alma e portanto, para além da obra, cujo sentido era deixado em aberto. As narrativas maçônicas, ao contrário, possuem um sentido puramente terrestre, de auto-realização no mundo imanente e potências supraterrenas só atuam como co-autores do sucesso e do fracasso mundano.

Os segredos cuja descoberta constitui o sentido da narrativa maçônica não são mais os Grandes Mistérios referentes ao conhecimento do infinito, mas os Pequenos Mistérios referentes às forças profundas que dirigem a história e o cosmos e ajudam o homem na sua realização terrena. O ideal humano deixa de ser aquele que faz a ponte entre o céu e a terra para ser a realização máxima em todas as esferas mundanas. Se repete na literatura o desvio do intelecto para o espaço e o tempo que ocorrera na filosofia.

Nenhum comentário: