segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Resumo do Jardim das Aflições - Parte V

Essa conversão [da luta entre clero e nobreza na luta entre rei e parlamento] provocou uma alteração significativa no sentido da luta interna ao projeto imperial. O poder espiritual e o poder temporal, que antes se digladiavam, deram lugar para os novos combatentes, ambos representantes do poder temporal. Segundo Carvalho, a dinâmica dessa luta teria resultado, inexoravelmente, numa escalada de concentração de poder. Na ausência de uma tradição comum dentro da qual pudesse o processo político ocorrer, justamente o que era oferecido pela subordinação do poder temporal à autoridade espiritual, a luta pelo poder prolongar-se-ia indefinidamente.

A interminável luta política fora do abrigo da religião lembra o incessante conflito entre a natureza e a história quando eles não mais são unidos por um mesmo princípio transcendente. De fato, as teorias modernas que buscam divinizar o espaço e o tempo são a contrapartida intelectual da autodivinização do monarca absoluto e a nacionalização das igrejas. Para que o homem deixasse de obedecer a seus sacerdotes em favor do rei foi necessário que ele não mais buscasse o divino além do mundo, mas o encontrasse nas dimensões imanentes da natureza e da história. Assim como na República aos sucessivos regimes da cidade correspondem sucessivas configurações da alma humana, no Jardim cada projeto imperial supõe uma relação específica do homem com Deus.

O projeto dos impérios nacionais foi sucedido pelo projeto do império revolucionário. A autodivinização da nação substituiu a tensão entre o clero e os nobres pela batalha entre o parlamento e o rei, o corpo místico e seu representante. O novo império resolverá essa batalha ao dispensar a existência de uma autoridade espiritual, mesmo uma nacionalizada, que legitime o império. Enquanto Henrique VIII combinava em si mesmo as figuras de César e Cristo, Napoleão declarará que César é maior que Cristo. E enquanto o iogue comissário conseguia essa “síntese” mediante a ignorância voluntária, o império que ele serve terá como marca registrada o segredo.

Napoleão foi derrotado, mas o mesmo projeto deu fruto nos Estados Unidos, “república imperial, capitalista, maçônica e protestante”. Isso marca a terceira e última translação imperial. É importante observar que as translações imperiais não são só geográficas, mas também mudanças de projeto. E por isso, na translação que implanta o projeto imperial nos Estados Unidos, o projeto imperial ele mesmo deixa de ser o projeto de um império nacional. (1). Para compreender como isso é possível, isto é, um projeto de império que não tenha sua unidade assegurada por uma cabeça imperial nem sua autoridade fundada num corpo místico, é preciso prestar atenção no papel desempenhado pela maçonaria na formação do império americano pós-nacional.

As revoluções francesa e americana, que precedem os projetos da terceira Roma, constituem substituições da aristocracia de sangue européia, incapaz de se libertar de sua relação masoquista com a Igreja, por uma nova aristocracia iniciática. A modernidade caracteriza-se não pela democratização da vida política, mas pelo governo de arisotcracias que agem de forma secreta e fora de todo controle público. Aristocracia de facto, democracia de jure: uma combinação mantida apenas pelo caráter secreto da aristocracia.

Para ser mais específico, a aristocracia do Estados Unidos é toda maçônica: todos os signatários da Declaração de Independência são maçons. Olavo, contudo, rejeita toda noção conspiracionista no papel da maçonaria na história: ela não é um arquiteto invisível da história mundial, mas uma sociedade secreta que, pelo seu próprio modo de funcionar, molda o imaginário de seus membros e delimita seu campo de ação. A maçonaria é responsável segundo Olavo, não por este ou aquele evento histórico determinado, mas pela determinação do âmbito dentro do qual os eventos históricos se desenrolaram.

A maçonaria combina a rigidez iniciática de uma sociedade secreta com a liberdade formal de um grupo de debates. O resultado é que os ritos maçônicos, cuja execução e repetição molda o imaginário dos maçons, são objetos de discussão e interpretação livres, os quais asseguram que o sentido e os efeitos dos ritos permaneçam obscuros sob uma névoa de ambigüidades. A discussão livre só serve para tornar tanto mais tirânica a influência dos ritos sobre a mente.

O outro lado da moeda da névoa entorpecente doutrinal é a submissão que o maçom deve prestar a chefes inteiramente desconhecidos. Tanto em um caso quanto a outra a consciência individual nega a si mesma, se consagrando a ações cujos propósitos nem sentido ela conhece nem compreende. Carvalho diagnostica que esse abandono provém do desejo desproporcional de segurança, do medo injustificado, que faz com que o homem venda sua consciência em troca da proteção de sua vida. Carvalho dá o exemplo das vésperas da revolução francesa, quando a aristocracia francesa se filiou em massa à maçonaria, temendo o porvir.

(1) Por essa mesma razão, é imperioso não confundir as teses do Olavo que serão expostas logo agora com uma forma elaborada da conhecida etiqueta “imperialismo ianque”. Quando o império passou a estar nas mãos dos ianques, ele não cabia mais na mão de nenhum povo. Mais tarde, nos comentários ao Jardim das Aflições, a grande discussão sobre a compatibilidade entre o Jardim das Aflições e a americanofilia recente do Olavo será discutida em mais detalhes.

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