segunda-feira, 3 de novembro de 2008

4 – Sobre a ausência de foco em teorias da verdade:

Estatuir a prática como pilar de validade do conhecimento somente implica que o valor “verdade” seria dado pela comunidade lingüística; não constituiria, portanto, uma propriedade objetiva do mundo. A “verdade”, pois, pertenceria ao âmbito do discurso, não ao âmbito do mundo. Em outras palavras, a “verdade” ou “falsidade” de uma proposição seria dada segundo convenções semânticas, de acordo com os interesses da comunidade. Sem embargo, é evidente que a experiência cumpre papel importante nesse esquema. Um jogo de linguagem somente faz sentido para quem já tem um conhecimento prévio dos elementos fundamentais que são arranjados nesse jogo. Somente nesse sentido é que haveria “reinado dos meios”. Demais, proclamar que a vida não tem um significado intrínseco ou transcendental não acarreta que significados não possam ser construídos no mundo prático. É importante ter essas considerações em mente de sorte a evitar que o pragmatismo seja confundido com uma tese muito mais radical, que é o relativismo. A objetividade do conhecimento, no pragmatismo, não é descartada, mas entendida segundo critérios lingüísticos dados socialmente pela comunidade em confronto com a experiência. O pragmatismo, portanto, não é incompatível com a objetividade do conhecimento, compreendida nesses termos. Nessa ordem de idéias, as críticas mais fortes de Carvalho, embora possam também ser estendidas, atenuadamente, ao pragmatismo, são muito mais pertinentes ao relativismo. Essa falta de clareza acerca do alvo precípuo das críticas empresta aos argumentos de Carvalho, dirigidas contra a “subjetivização” do conhecimento, indesejável cariz de generalização.
Demais, não é verdade que, sem fundamentação forte, de tipo transcendental, seja impossível existir um discurso ético que não resulte em puro “desejo de poder”. Ora, é perfeitamente possível construir um discurso ético com base em intuicionismo ou utilitarismo, sem necessidade de apelar para um “a priori” radical. Aliás, o fato de que muitos ateus seguem máximas éticas que lhes trazem, em última análise, prejuízo, é a prova baculínea dessa possibilidade.
Curioso notar, de lado outro, que a ênfase de Carvalho na absoluta necessidade de existência, em sentido aparentemente tão forte, de “consciência individual” como garante da objetividade do conhecimento pode gerar três paradoxos (de graves repercussões no plano político):

a) ausência de um critério claro e objetivo para que se decida, afinal, o que é “verdadeiro” e o que é “falso”, já que nem tudo o que aparece à consciência é, por definição, verdadeiro;
b) possível tensão entre o que a “tradição” afirma como verdadeiro e aquilo que à minha consciência individual parece ser verdadeiro – eu posso, por exemplo, crer sinceramente que a grama que eu vejo neste momento é azul, muito embora a “tradição” diga que não o é (o que está a indicar, no mínimo, a existência de ambigüidade no discurso de Carvalho no concernente ao uso do termo “tradição”);
c) irônico abraçamento de um solipsismo “subjetivista” (de todo indesejado por Carvalho) ante a falta do estabelecimento de critério minimamente seguro e contrastável de “verdade”.
5 – Sobre a teoria de castas e a teoria histórica:
Não se percebe muito claramente como é possível compatibilizar o endosso a uma teoria de castas e rejeitar, tout court, a adoção de uma teoria histórica. Com efeito, se a teoria de castas pretende estabelecer um modelo geral e supra-histórico para a compreensão dos fenômenos sociais contingentes, ainda que não tenha a pretensão de ser um modelo preditivo de longo prazo, parece inevitável atribuir-lhe, ao menos, um poder preditivo de curto prazo ou mesmo um mero poder explicativo. Sem essas características, principalmente a segunda, não se entende como a teoria de castas possa sequer servir como instrumento para a compreensão de fenômenos sociais efetivamente acontecidos (o que Carvalho, durante o curso da obra, em suas análises históricas, não se furta a fazer).
6 – Sobre a polêmica de Cantor:
Parece haver, nessa discussão, uma confusão semântica. Carvalho fala, assumidamente, de infinito em sentido metafísico. Cantor, ao menos da maneira que foi apropriado pela matemática moderna, em sentido lógico estrito senso, isto é, lingüístico-formal. Trivialmente, são duas esferas diferentes. Ainda que Euclides não estivesse consciente da separação conceitual entre os dois âmbitos, parece claro que Cantor, no que refuta, do ponto de vista formal, o axioma euclidiano, trata do universo puramente matemático e não do universo metafísico. Aliás, no segundo sentido (metafísico), a matemática moderna tende a não falar mais nada sobre o assunto. Isso seria, hoje, objeto da filosofia da matemática. Claro, é evidente que o argumento de Carvalho (a bem da verdade, é de Guénon) contra Cantor pretende ser metafísico e reverberar na matemática, justamente porque Carvalho, assim como Guénon, assume o pressuposto de que não haveria distinção forte entre mundo e linguagem, esta seria um reflexo daquele. A refutação, portanto, valeria tanto para a metafísica quanto, secundariamente, para a matemática formal. Entretanto, para que a crítica, com esse duplo foco, se sustentasse, haveria de se comprar a tese de que realmente não haveria distinção forte entre o âmbito metafísico e o âmbito matemático. Ora, mas todos os sistemas para-consistentes em matemática são montados a partir dessa dicotomia e sua consistência formal não é afetada por questões metafísicas. Demais, o simples fato, incontestável, de que a matemática infinitesimal cantoriana de fato funciona, ao menos em parte, no mundo (um exemplo é o cálculo integral) parece ser boa evidência de que o problema talvez deva residir na extrapolação de um conceito de infinito puramente metafísico para o campo da matemática formal, não o inverso. Não se cuida, portanto, de dizer que a crítica a Cantor esteja necessariamente errada, mas que, se dela se pretende extrair desdobramentos no campo da matemática formal, então haveriam de ser apontadas evidências no sentido de que a matemática não pode afirmar-se como discurso autônomo independente da metafísica. Por fim, ainda que a matemática não pudesse ser independente da metafísica, ainda haveria que se mostrar que o infinito metafísico, ao qual aludem Carvalho e Guénon, de fato existe e não consistiria, quem sabe, numa mera invenção de metafísicos empedernidos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

3) Dos “bonecos de palha” e outras figuras de retórica:
a) Afirma Carvalho sobre o newtonianismo (p. 146):

“Ao rejeitar aparentemente Aristóteles, a ciência renascentista deu-lhe razão no fundo, na medida em que, para poder matematizar a física, teve se de afastar cada vez mais da realidade sensível até substituí-la totalmente pelos modelos matemáticos. Neste sentido, o cientista moderno que proclama que a física renascentista refutou Aristóteles comete, simplesmente, uma desonestidade intelectual.”

Em outro sentido, dizer que a ciência moderna não refutou o aristotelismo é, também, uma “desonestidade intelectual”. Refutou-a, sim, no sentido mais profundo, no sentido ontológico, uma vez que a física moderna é quantitativa, ao passo que a física aristotélica é qualitativa. É certo, e nisso Carvalho tem inteira razão, que o custo dessa mutação ontológica foi o afastamento da ciência das propriedades “sensíveis” da matéria (ie. secundárias). Contudo, não se pode olvidar do fato de que foi graças a esse afastamento que todo o conhecimento e a tecnologia modernos puderam ser desenvolvidos, o que não se conseguiu com os princípios da física do Estagirita. O ceticismo aristotélico quanto à utilização da matemática, portanto, não pode ser entendido sem a devida contextualização, sob pena de anacronismo. À dúvida aristotélica, deve-se opor a seguinte indagação (que não podia ser oposta, com essa força, à época de Aristóteles): se a matemática nos afasta do mundo, porque ela funciona tão bem no mundo? Um partidário do realismo científico diria que funciona, precisamente, porque lida com a estrutura mais profunda e verdadeira da realidade, para além das meras aparências do mundo sensível. A desconfiança aristotélica quanto à matemática, em verdade, parece ser tributária muito mais da falta de conhecimento que os próprios gregos (e Aristóteles) tinham do mundo empírico do que de uma radical visão metafísica qualitativa da natureza. É de indagar se, nascido hoje, Aristóteles ainda teria as mesmas ressalvas acerca da utilização da matemática, ao menos em relação aos fenômenos que independem, trivialmente, para sua ocorrência, da consciência humana.
b) Carvalho sobre Galileu (p. 151):

“Mas um fundo de charlatanismo parece já ter sido introduzido na física por Galileu, quando proclamou ter superado a noção da ciência antiga, segundo a qual um objeto não impelido por uma força externa permanece parado – uma ilusão dos sentidos, segundo ele. Na realidade, pontificava, um objeto em tais condições permanece parado ou em movimento retilíneo e uniforme. E, após ter assim derrubado a física antiga, esclarecia discretamente que o movimento retilíneo e uniforme não existe realmente, mas é uma ficção concebida pela mente para facilitar as medições. Ora, se o objeto não movido de fora permanece parado ou tem um movimento fictício, isto significa, rigorosamente, que ele permanece parado em todos os casos, exatamente como o dizia a física antiga, e que Galileu, mediante um novo sistema de medições, conseguiu apenas explicar por que ele permanece parado. Ou seja, Galileu não contestou a física antiga, apenas inventou um modo melhor de provar que ela tinha razão, e que o testemunho dos sentidos, sendo verídico o bastante, não tem em si a prova da sua veracidade – coisa que já era arroz-com-feijão desde o tempo de Aristóteles. Foi este episódio que inaugurou a mania dos cientistas modernos de tomarem simples mudanças de método como se fossem ‘provas’ de uma nova constituição da realidade.” (destaques no original).
É cristalino o equívoco em que labora Carvalho. O que Galileu negou foi a existência efetiva (e não a impossibilidade metafísica) de um sistema ideal em que o movimento retilíneo e uniforme e a ausência de movimento pudessem ser as alternativas para um estado do corpo. A negativa de Galileu, quando bem entendida, tem por objeto, portanto, a existência material das próprias condições iniciais necessárias para que o experimento possa realizar-se de fato. Ora, se as condições iniciais são fictícias, a alternativa entre movimento retilíneo e uniforme e a ausência de movimento também é fictícia. É absolutamente inválido, sob o aspecto lógico, negar as condições iniciais de um problema e pretender derivar, com base na formulação rejeitada do problema, uma de suas soluções previstas Com efeito, quando se rejeitam as condições iniciais, rejeitam-se também, como necessárias, as soluções previstas no enunciado. É ilógico rejeitar as premissas do problema e pretender manter (uma de) suas conclusões, de modo necessário. Se o sistema ideal suposto no problema inexiste, a única conclusão lógica é afirmar que a própria dicotomia prevista (M.R.U. ou ausência de movimento) pode ser enganadora. Refutadas as condições inicias do enunciado, nada pode ser dito, com base nessas condições iniciais, sobre ele, muito menos extrair-se uma conclusão obrigatória. Exemplificando: se não existe, na realidade material, um sistema sem atrito, não está o corpo adstrito a movimentar-se de forma uniforme e retilínea nem tampouco a ficar parado, porque essas são possibilidades, dadas pelo problema, para um sistema sem atrito. Obviamente, um sistema com atrito é outra história. Neste último, segundo Galileu, o corpo, ao deixar de ser submetido a uma força “externa”, não se movimenta de forma retilínea nem fica parado, o corpo move-se segundo o princípio da inércia. Carvalho, em verdade, perde-se ao não compreender que a inexistência material e contingente de sistema ideal, admitida por Galileu, afeta apenas o âmbito empírico (do existente), não o âmbito teórico (do possível). Como experiência de pensamento, o movimento retilíneo e uniforme, em Galileu, existe, sim, em possibilidade, num sistema idealizado, embora possa não existir, contingentemente, no mundo dos fatos. Para Aristóteles, sequer no mundo idealizado (sem atrito) o movimento retilíneo e uniforme existiria, porque ele é, na lição do Estagirita, impossível do ponto de vista teórico – não é uma possibilidade pensável dentro da sua teoria física – e não apenas do ponto de vista meramente factual. Em síntese, a impossibilidade de tal movimento (M.R.U.), para Aristóteles, é dada a priori pela sua própria teoria física, já para Galileu a inexistência de tal movimento (M.R.U.) é dada a posteriori pelas contingências do mundo empírico, não pela sua teoria (que, aliás, o admite expressamente, daí porque, via de conseqüência, refuta a teoria aristotélica). Em linguagem moderna, diríamos que a impossibilidade aventada por Aristóteles é metafísica (abarca todos os mundos metafisicamente possíveis), ao passo que a inexistência aventada por Galileu é empírica (abarca apenas este mundo empiricamente existente). Aristóteles fala de impossibilidade no próprio âmbito teórico, Galileu, de mera inexistência no âmbito empírico (ilustrando o que diz Galileu com uma analogia: no nosso mundo, não existem dragões, mas não há lei física que afirme ser impossível a sua existência, é mera contingência de nosso mundo empírico). Eis o erro fundamental de Carvalho: entender o termo “inexistência” (empírica, contingente), em Galileu, como sinônimo de “impossibilidade” (metafísica, necessária).

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

COMENTÁRIO E DEMONSTRAÇÃO PORMENORIZADA DA PROCEDÊNCIA DE ALGUNS PONTOS ESPECÍFICOS DAS CRÍTICAS:

1 – Das falácias:
a) Carvalho afirma (p. 51), acerca de Epicuro, o que se segue:

“Se os deuses falam, é porque pensam. Se pensam, têm memória e imaginação; e como tudo o que aparece na memória e na imaginação tem, segundo Epicuro, existência (só que mais rarefeita que a do corpo), segue-se que as coisas que os deuses recordam e imaginam existem materialmente nesse mesmo instante. Sendo essas coisas, porém, mais rarefeitas do que os corpos dos deuses que as imaginam, a equação epicúrea de que rarefação = durabilidade obriga-nos a admitir que elas são mais duráveis do que os deuses mesmos. E se por acaso ocorresse a um deus a idéia desastrosa de pensar num gato ou numa lagartixa, estes miseráveis mortais ficariam, ipso facto, dotados de uma durabilidade maior que a dos deuses.”

É evidente a falácia do argumento. Ainda que os deuses “pensassem”, no sentido humano do termo (Epicuro não diz que eles “pensam” como humanos, apenas que “conversam” entre si, seja lá exatamente o que isso signifique), em lagartixas e gatos, a conclusão lógica do raciocínio não seria, como pretende Carvalho, que a própria lagartixa ou o gato, isto é, os objetos extra-mentais (em linguagem moderna: as referências), tornar-se-iam, ipso facto, mais duráveis do que os deuses, mas, antes, que as idéias dos deuses sobre aqueles seres extra-mentais (gatos e lagartixas) seriam mais duráveis do que eles, deuses. Em suma, não se segue das premissas expostas a conclusão de que a lagartixa e o gato seriam mais duráveis do que os deuses, mas, tão-somente, de que as imagens mentais de lagartixa e de gato o seriam, ainda que sejam, elas mesmas, materiais. Carvalho opera um salto lógico ao passar da mera imagem mental (ainda que seja também material) à própria referência. O argumento, portanto, é curto e, suas conclusões, falaciosas. Sem embargo, além de ser curto, o argumento, a rigor, não poderia ser corrigido, mediante a explicitação de premissas que estão ocultas, a fim de preservarem-se íntegras as conclusões, sem que, com isso, fosse gravemente afrontado o próprio sistema epicúreo.
Dessarte, os simulacros, para Epicuro, não são as próprias coisas, mas projeções dessas, de modo que imaginar uma coisa, repita-se, não converte o pensamento em realidade extra-mental. A falácia de Carvalho reside na pretensão de derivar logicamente da mera existência do pensamento (sobre algo) a existência extra-mental desse algo. Explica-se: é certo que, na teoria física epicúrea, a existência do simulacro, da sensação, garante, ipso facto, a existência extra-mental do objeto, já que o primeiro (simulacro) emana necessariamente do segundo (objeto). Contudo, há de se atentar para o seguinte. Uma coisa é afirmar que a sensação deve corresponder necessariamente a um objeto extra-mental. Outra, muito diversa, é dizer que cada resgate à memória – na linguagem epicúrea, cada prolepse – procedida pelo indivíduo (mesmo que esse “indivíduo” seja um deus) substancializa, a cada uma dessas vezes, o objeto lembrado, na esfera extra-mental. Deveras, o que deve ter um correspondente obrigatório no mundo extra-mental é a imagem formada pela experiência (sensação) direta com o objeto, isto é, com os simulacros emanados do objeto. No entanto, o mero resgate da lembrança (prolepse) daquela imagem (sensação) guardada na memória não tem o condão de plasmar novamente o objeto lembrado no mundo externo ao indivíduo. Daí porque mesmo que os deuses pensassem sobre uma lagartixa ou um gato, tal fato não converteria o pensamento em uma nova lagartixa ou em um novo gato, a povoarem o universo extra-mental do indivíduo. A um, porque, fosse esse pensamento provocado por uma sensação, o objeto já teria de preexistir, no mundo, à sensação – não seria, portanto, o pensamento que lhe daria consistência física na realidade extra-mental. A dois, porque, fosse esse pensamento um resgate de memória (prolepse), não só a lembrança armazenada como até mesmo a sensação do objeto (a imagem/simulacro) teriam de preexistir ao objeto – não seria, portanto, de igual modo, o pensamento que lhe daria consistência física na realidade extra-mental (a esse propósito, ver Giovanni Reale, História da Filosofia Antiga, vol III, pp. 155 e seguintes).
b) Outra afirmação de Carvalho sobre Epicuro (p. 47):

“(...) tentemos tirar as conseqüências lógicas da teoria (de Epicuro). Se os deuses são, de um lado, o modelo do bem, e, de outro, a imagem do ideal espiritual que norteia os esforços do asceta epicurista, então eles não apenas são causa de alguma coisa, mas o são duplamente: em linguagem aristotélica, são causa formal do bem e causa final da vida ascética.” (destaques no original).

Claramente é falaciosa a conclusão. Os deuses, para Epicuro, têm um aspecto positivo meramente como modelos, como ideal de vida. Rigorosamente, os deuses não são “o modelo do bem”, eles são o modelo da boa vida, isto é, da vida contemplativa. O bem não é identificado com os deuses. Em linguagem aristotélica, eles, os deuses, seriam, portanto, a causa final da vida ascética, mas não a causa formal do bem, como erradamente sustenta Carvalho (ademais, parece de todo estranho à metafísica aristotélica perguntar-se, como pretende Carvalho, acerca da causa formal do bem, senão de modo tautológico e auto-referente). Eles, os deuses, somente seriam, em certo sentido, causa formal do bem se eles próprios fossem o bem. Mas não o são. Os deuses epicúreos apenas contemplam o bem. Se o contemplam, não podem ser, evidentemente, o próprio bem (sua causa formal). Mutatis mutandis, o erro de Carvalho é crer que um modelo ou um símbolo sejam a própria coisa simbolizada, como se um santo cristão que leva uma vida exemplar fosse a própria encarnação do bem e não um mero modelo ou símbolo de boa virtude cristã. Assim os santos, assim os deuses passivos de Epicuro.
2) Da aproximação entre Epicuro e Marx:
A falácia antes apontada em 1 “a” é, aqui, importantíssima para perceber a maior fraqueza da aproximação que Olavo tenta fazer entre Epicuro e Marx. Com efeito, se a imaginação, em Epicuro, não tem o poder de alterar a realidade externa – aquela dos objetos, da materialidade extra-mental –, mas apenas a realidade interna – aquela dos simulacros (quando percebidos por um dado indivíduo ou um conjunto de indivíduos), da materialidade intra-mental –, então a “revolução” epicúrea é mera alienação individual, um ensimesmamento, ainda que seja um delírio compartilhado por muitos, ao passo que, em Marx, é verdadeira transformação ativa, via revolução de classe, da realidade extra-mental.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Opinião Geral sobre o Livro

É evidente que O Jardim das Aflições foi confeccionado em dois momentos muito distintos (inclusive do ponto de vista da maturidade intelectual) da vida do autor, num período em que Carvalho parecia iniciar sua migração de um pensamento tradicionalista mais ortodoxo para um pensamento mais conservador (de direita). O que poderíamos chamar de a primeira metade da obra, que termina com o Livro 3, mostra Carvalho, ainda, a digerir suas fundas impressões sobre a palestra de Motta Pessanha, de sorte a tentar compreender no que consistiria a “tradição do materialismo”, bandeira sob a qual estariam reunidos, alegadamente, pensadores de feição tão díspar como Epicuro e Marx, bem como a estabelecer no que residiria a suposta aversão dessa assim chamada “tradição” à boa-nova da “consciência individual”, proclamada e concretizada, segundo Carvalho, pelo Cristianismo. Quanto a essa primeira parte (principalmente), algumas CRÍTICAS GERAIS, a nosso ver, fazem-se pertinentes:

1) ausência de maior amarração conceitual e de definições ostensivas e menos vagas de termos centrais no livro – como, por exemplo: "consciência individual", "verdade", "espiritualismo",
"tradição;

2) perpetração de falácias, algumas bem evidentes, que conferem desagradável ar retórico a parte da argumentação – vide caso das falácias (adiante demonstradas) da “lagartixa e do gato” e da transformação da realidade extra-mental por meio da prática do tetrafarmacon;

3) criação, por vezes, de bonecos de palha (ou expedientes retóricos semelhantes) – como no caso de Kant, Galileu e Newton;

4) encampação de argumentos que, aparentemente, não são de autoria própria, sem a pertinente citação à fonte – como no caso da crítica a Cantor, que se funda em análises efetuadas por René Guénon;

5) falta de foco mais fino em teorias sobre a “verdade” – o que leva Carvalho a juntar numa mesma rubrica, talvez de forma contra-produtiva, diversos critérios veritativos de implicações sensivelmente distintas, como o pragmatismo, o relativismo e o deflacionismo;

6) afirmações históricas peremptórias e desprovidas de menção a bibliografia mais abrangente no concernente a assuntos sabidamente controversos – como a natureza política da Inquisição espanhola, a liberdade de ir e vir do servo medieval, a relação esoterismo X exoterismo no Cristianismo;

7) ausência de exposição mais sistemática do pensamento “tradicionalista” ou “espiritualista” – recorrentemente invocado como sendo o conteúdo que, por oposição, dá substância ao “materialismo”.

8) tensão na adoção de uma “teoria de castas” – de inspiração “tradicionalista” – e na rejeição, simultânea, de qualquer teoria histórica.


Na segunda metade da obra, do Livro 4 em diante, é notável (e impressionante) a subida de qualidade do texto, pelo que muitas das críticas alhures referidas deixam de ter aplicação. Sobre as próprias conclusões da obra, são inequivocamente instigantes, mas somente podem ser postas à prova por meio de extensa pesquisa empírica que escapa, presentemente, a nossos objetivos marcadamente conceituais. Uma constatação inusitada da crítica “tradicionalista” feita por Carvalho à modernidade é sua surpreendente semelhança às críticas feitas por autores pós-modernos (alguns filiados a correntes neo-marxistas), como Lévinas, Deleuze e Baudrillard (ie. manipulação do aparato lingüístico-conceitual pelas elites, deificação da ciência como intérprete autêntica da realidade, funcionalização absoluta do indivíduo, opressão metafísica da sociedade de produção, etc.).
aaaaaa
De um modo geral, O Jardim das Aflições, conquanto seja obra provocadora e aguda, mormente em sua segunda parte, afigura-se mais como um livro de introdução ao vasto universo abordado por Carvalho, principalmente no que concerne às questões mais conceituais e metafísicas, que, por vezes, são tratadas superficialmente pelo autor. A impressão é de que o público alvo de Carvalho, nessa obra, não é aquele mais habituado à discussão filosófica e política, mas um público mais leigo, para o qual um apelo retórico (e até panfletário) muitas vezes é mais eficiente, do ponto de vista prático, da ação, do que uma exposição rigorosa do argumento.

Uma última observação de caráter geral deve ser feita. Para Carvalho, na linha do pensamento filosófico clássico (vide Aquino), somente existe verdadeira liberdade quando o indivíduo age de acordo com a moral e com o conhecimento objetivo. O erro e o pecado não são manifestações, portanto, da própria liberdade, mas meros sinais de que ela existe. É evidente que esse pressuposto é incompatível com um liberalismo político em sentido mais forte. Com efeito, nessa ordem de idéias, ainda que se entenda por bem resguardar a esfera estritamente privada dos indivíduos, na qual eles poderão “errar” e “pecar” a salvo da vigilância direta da sociedade, resta patente que a exteriorização de comportamentos considerados imorais, segundo os parâmetros “tradicionais”, é potencialmente subversiva, pelo que, em tese, poderia ser alvo de proibição. Assim, por exemplo, o homossexualismo e o ateísmo, que poderiam ser tolerados na esfera rigidamente privada dos indivíduos, mas não poderiam, possivelmente, ser socialmente tolerados como discurso político (ie. proselitismo). Aí está o conservadorismo (anti-liberal) de Carvalho exposto ao sol: monismo de valores e desconfiança da “excessiva” liberdade individual, quando traduzida em comportamento de índole política (reformista).

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Resumo de O Jardim das Aflições - Parte VII

O novo império, prometendo uma sociedade de iguais, teve que ocultar a distribuição real básica de poder, isto é a existência das castas dominantes aristocráticas e sacerdotais. Assim, o preço da expansão nomninal dos direitos foi a concentração estúpida do poder por meio do segredo. Olavo, no entanto, observa que as castas ressurgiram mais tarde na forma da classe dos políticos e da burocracia estatal e dos intelectuais e formadores de opinião. Ele passa então a descrever como também, com respeito a essas classes visíveis, houve uma concentração de poder por meio da expansão nominal dos direitos.

Essa concentração de poder obedece um mecanismo muito simples. Para cada direito garantido por lei, é preciso quehaja alguém que tenha o dever de garantir esse direito. A multiplicação dos direitos, portanto, leva à multiplicação de instâncias do Estado que se dedicam a garantir esse direito. E garantir o direito aqui quer dizer: assegurar que a ideologia maçônica imperial ali vigore. Cada minoria que reclama por um direito (ou em nome da qual se reclamam direitos, como as crianças), não pode ter certeza se daí em diante seus membros realmente terão uma vida mais livre. No entanto, ela pode estar assegurada que uma secretaria composta de indivíduos nas mais recentes teses da intelectualidade reinante prontamente surgirá, para fiscalizar a vida e as relações da dita minoria, para assegurar sua liberdade.

As exigências utópicas das minorias, então, longe de desestabilizarem o Estado o complementam, pedindo que ele intervenha de cada vez mais direta na vida dos indivíduos. O que ocorre então é a destruição dos poderes intermediários representativos: em vez do indivíduo ser representado por uma família dentro de uma comunidade dentro de uma cidade etc... até chegar ao estado, cada nível desses representando o inferior e tendo que prestar contas a ele, o indivíduo se encontra diretamente relacionado com a plena potência dos burocratas estatais, que não representam ninguém a não ser seus chefes numa hierarquia real que só termina nos poucos que realmente detém o poder.

Na realidade, embora em um primeiro momento esse processo fortaleça o Estado nacional, ele na realidade conduz ao império global, derrubando até mesmo a mediação que o Estado realiza entre o povo e organizações globais.

O iogue comissário era, sem sabê-lo, um sacerdote do novo império americano. É ele, o poder mundando que busca o poder total, desconhecendo qualquer medida supraterrena, nem mesmo pretendendo ser ele mesmo uma medida supraterrena, que se beneficia com o estreitamento da consciência e o desvio do intelecto. Os homens seguem aqueles aos quais está confiada sua felicidade. Se sua felicidade não se resume à vida terrena então não é só César a quem deve obediência. Caso contrário....

Qual é então a situação contemporânea descrita pelo Jardim das Aflições? Após o final da guerra fria o projeto imperial global se afirma cada vez mais: um projeto de obtenção de poder em escala mundial legitimado pelas grandes massas ocidentais que, não vendo que a realidade tenha qualquer dimensão para além do poder mundano, não conseguem justificar nenhuma norma ao qual esse deve obedecer. Os focos de resistência a esse projeto são justamente os centros onde as tradições religiosas são mantidas vivas e os homens ainda não ensinados a olhar para o alto. No entanto essas mesmas tradições, quando petrificadas em fundamentalismos e dividias pelo sectarismo se tornam peões do plano imperial, que fomenta as divisões para justificar seu olhar laico “imparcial” e para desviar a atenção do perigo real do poder de César.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Resumo do Jardim das Aflições - Parte VI

A aristocracia do novo império é, portanto, maçônica e a maçonaria desempenha o papel sacerdotal do poder moderador, de abrigar as facções de poder em disputa e legitimar o vencedor. Ela se distingue da Igreja não tanto pela sua ideologia infinitamente elástica mas seu modo secreto de funcionamento.

De fato aquilo que caracteriza a política contemporânea desde a participação maciça da maçonaria e de outras sociedades secretas nas revoluções americana e francesa é o poder acumulado das organizações secretas, cuja influência (na maior parte das vezes não direto, mas sacerdotal, como foi observado acima) chega a ser tanta que ela se torna inimaginável para o homem comum. O próprio imaginário do cidadão da sociedade democrática moderna, impregnado com a imagem da época contemporânea como a época da expansão dos direitos, impede que a noção da ação secreta na política seja algo mais que uma hipótese abstrata.

Esse despreparo do homem contemporâneo e em particular do intelectual é uma peça chave para que a influência das sociedades secretas chegue a moldar as concepções da população inteira. Pois isso significa que, quando ele conhece alguma sociedade secreta/esotérica ou guru misterioso, o intelectual moderno se encontra sem instrumentos para elaborar criticamente suas experiências. Desse modo, ele tende quase sempre à subserviência e à mistificação do fenômeno, ocultando sua verdadeira natureza e aumentando seu poder sobre o imaginário social.

A maçonaria, dado seu caráter secreto, só pode ser o esoterismo da religião do Império. Qual seria seu exoterismo? É a pluralidade de seitas que se multiplicam no ambiente democrático, protegida pelo estado laico, que Olavo no Jardim considera como o único “ganho” real da revolução americana.

O estado laico foi originalmente o arranjo escolhido para manter a paz numa nação nascente onde havia uma notável variedade de seitas protestantes. Sua conseqüência, no entanto, foi “a liquidação do poder político das religiões”.

No Estado laico, toda lei religiosa cessa de ter qualquer validade pública. Por isso, os critérios que presidem a vida social são supra-religiosos e o Estado se torna o árbitro entre os conflitos entre leis religiosas. Assim as leis religiosas só podem ser seguidas na medida em que elas estão de acordo com a moral oficial promovida pelo Estado. Ou seja, a religião é reduzida ao conceito de “espiritualidade privada” ou “religiosidade”, um adendo subjetivo, suplementar à moral laica.

Reduzidas à um aspecto subjetivo, individual, as grandes religiões, que formaram e sustêm as civilizações históricas, são equiparadas às seitas, dando a impressão do “supermercado religioso”. Não podendo aderir a qualquer lei religiosa, o Estado nega o direito à perpetuação das tradições religiosas por parte dos pais e protege o direito dos filhos de abandonarem as mesmas. De um modo geral, o Estado privilegia as morais agnósticas em qualquer disputa e convida todos a abandonarem seus grupos de referências com suas morais “suplementares”.

A religião, no entanto não é apenas uma moral subjetiva. Ela dá ao homem uma imagem simbólica do mundo, transmitida por meio de narrativas míticas (que fixam cosmovisões, valores e princípios educacionais) e iniciáticas (que atualizam e adaptam os mitos às situações locais e específicas). Ao reconhecer as situações das narrativas na sua própria vida, o ser humano é capaz de discernir o sentido da sua vida. Os mitos não estão aí para serem interpretados, mas para serem a chave para a leitura da realidade.

O cidadão do Império maçônico interpreta o mundo com base em mitos maçônicos, os quais passam a predominar nos séculos XVIII e XIX quando narrativas maçônicas passam a predominar nas grandes obras literárias. O desenlace derradeiro das narrativas cristãs se encontrava na salvação da alma e portanto, para além da obra, cujo sentido era deixado em aberto. As narrativas maçônicas, ao contrário, possuem um sentido puramente terrestre, de auto-realização no mundo imanente e potências supraterrenas só atuam como co-autores do sucesso e do fracasso mundano.

Os segredos cuja descoberta constitui o sentido da narrativa maçônica não são mais os Grandes Mistérios referentes ao conhecimento do infinito, mas os Pequenos Mistérios referentes às forças profundas que dirigem a história e o cosmos e ajudam o homem na sua realização terrena. O ideal humano deixa de ser aquele que faz a ponte entre o céu e a terra para ser a realização máxima em todas as esferas mundanas. Se repete na literatura o desvio do intelecto para o espaço e o tempo que ocorrera na filosofia.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Resumo do Jardim das Aflições - Parte V

Essa conversão [da luta entre clero e nobreza na luta entre rei e parlamento] provocou uma alteração significativa no sentido da luta interna ao projeto imperial. O poder espiritual e o poder temporal, que antes se digladiavam, deram lugar para os novos combatentes, ambos representantes do poder temporal. Segundo Carvalho, a dinâmica dessa luta teria resultado, inexoravelmente, numa escalada de concentração de poder. Na ausência de uma tradição comum dentro da qual pudesse o processo político ocorrer, justamente o que era oferecido pela subordinação do poder temporal à autoridade espiritual, a luta pelo poder prolongar-se-ia indefinidamente.

A interminável luta política fora do abrigo da religião lembra o incessante conflito entre a natureza e a história quando eles não mais são unidos por um mesmo princípio transcendente. De fato, as teorias modernas que buscam divinizar o espaço e o tempo são a contrapartida intelectual da autodivinização do monarca absoluto e a nacionalização das igrejas. Para que o homem deixasse de obedecer a seus sacerdotes em favor do rei foi necessário que ele não mais buscasse o divino além do mundo, mas o encontrasse nas dimensões imanentes da natureza e da história. Assim como na República aos sucessivos regimes da cidade correspondem sucessivas configurações da alma humana, no Jardim cada projeto imperial supõe uma relação específica do homem com Deus.

O projeto dos impérios nacionais foi sucedido pelo projeto do império revolucionário. A autodivinização da nação substituiu a tensão entre o clero e os nobres pela batalha entre o parlamento e o rei, o corpo místico e seu representante. O novo império resolverá essa batalha ao dispensar a existência de uma autoridade espiritual, mesmo uma nacionalizada, que legitime o império. Enquanto Henrique VIII combinava em si mesmo as figuras de César e Cristo, Napoleão declarará que César é maior que Cristo. E enquanto o iogue comissário conseguia essa “síntese” mediante a ignorância voluntária, o império que ele serve terá como marca registrada o segredo.

Napoleão foi derrotado, mas o mesmo projeto deu fruto nos Estados Unidos, “república imperial, capitalista, maçônica e protestante”. Isso marca a terceira e última translação imperial. É importante observar que as translações imperiais não são só geográficas, mas também mudanças de projeto. E por isso, na translação que implanta o projeto imperial nos Estados Unidos, o projeto imperial ele mesmo deixa de ser o projeto de um império nacional. (1). Para compreender como isso é possível, isto é, um projeto de império que não tenha sua unidade assegurada por uma cabeça imperial nem sua autoridade fundada num corpo místico, é preciso prestar atenção no papel desempenhado pela maçonaria na formação do império americano pós-nacional.

As revoluções francesa e americana, que precedem os projetos da terceira Roma, constituem substituições da aristocracia de sangue européia, incapaz de se libertar de sua relação masoquista com a Igreja, por uma nova aristocracia iniciática. A modernidade caracteriza-se não pela democratização da vida política, mas pelo governo de arisotcracias que agem de forma secreta e fora de todo controle público. Aristocracia de facto, democracia de jure: uma combinação mantida apenas pelo caráter secreto da aristocracia.

Para ser mais específico, a aristocracia do Estados Unidos é toda maçônica: todos os signatários da Declaração de Independência são maçons. Olavo, contudo, rejeita toda noção conspiracionista no papel da maçonaria na história: ela não é um arquiteto invisível da história mundial, mas uma sociedade secreta que, pelo seu próprio modo de funcionar, molda o imaginário de seus membros e delimita seu campo de ação. A maçonaria é responsável segundo Olavo, não por este ou aquele evento histórico determinado, mas pela determinação do âmbito dentro do qual os eventos históricos se desenrolaram.

A maçonaria combina a rigidez iniciática de uma sociedade secreta com a liberdade formal de um grupo de debates. O resultado é que os ritos maçônicos, cuja execução e repetição molda o imaginário dos maçons, são objetos de discussão e interpretação livres, os quais asseguram que o sentido e os efeitos dos ritos permaneçam obscuros sob uma névoa de ambigüidades. A discussão livre só serve para tornar tanto mais tirânica a influência dos ritos sobre a mente.

O outro lado da moeda da névoa entorpecente doutrinal é a submissão que o maçom deve prestar a chefes inteiramente desconhecidos. Tanto em um caso quanto a outra a consciência individual nega a si mesma, se consagrando a ações cujos propósitos nem sentido ela conhece nem compreende. Carvalho diagnostica que esse abandono provém do desejo desproporcional de segurança, do medo injustificado, que faz com que o homem venda sua consciência em troca da proteção de sua vida. Carvalho dá o exemplo das vésperas da revolução francesa, quando a aristocracia francesa se filiou em massa à maçonaria, temendo o porvir.

(1) Por essa mesma razão, é imperioso não confundir as teses do Olavo que serão expostas logo agora com uma forma elaborada da conhecida etiqueta “imperialismo ianque”. Quando o império passou a estar nas mãos dos ianques, ele não cabia mais na mão de nenhum povo. Mais tarde, nos comentários ao Jardim das Aflições, a grande discussão sobre a compatibilidade entre o Jardim das Aflições e a americanofilia recente do Olavo será discutida em mais detalhes.