segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Resumo de O Jardim das Aflições - Parte III

No bojo do Livro IV d’O Jardim das Aflições, Carvalho procura desvelar a estrutura profunda que subjaz, segundo seu entendimento, à fusão de correntes contraditórias no discurso marxista-epicurista-novaera de José Américo Motta Pessanha. Estrutura essa que estaria epitomada na figura do iogue-comissário. A contraditoriedade das correntes seria revelada como a superfície de uma tensão entre dois movimentos complementares: a divinização do espaço e do tempo, da natureza e da história. De acordo com Carvalho, a divinização de qualquer um dos dois – da natureza ou da história – estaria fadada ao fracasso, pois nenhum deles estaria apto a subsistir de forma independente. A síntese entre os dois pólos somente seria possível com sua subsunção numa unidade de plano superior (metafísico); subsunção, contudo, de todo impossível, uma vez que seria justamente esse o plano que já teria sido abandonado na tentativa de divinizar o mundo imanente. Assim, o único modo para o iogue-comissário sustentar sua posição residiria na ignorância voluntária, que ocultaria o conflito insuperável entre “o deus da história” – Leviatã – e “o deus da natureza” – Behemoth.

Esse conflito seria, de acordo com Carvalho, cíclico por natureza. O culto do Estado (de Leviatã) inevitavelmente esbarraria no fato bruto de que o ser humano está submetido a forças naturais – behêmicas – além de seu controle, capazes de desfazer seus planos e projetos revolucionários do dia para a noite. Da decepção com o fracasso da empreitada leviatânica alimentar-se-ia o “deus da natureza”, Behemoth. No entanto, também o progresso da ciência behêmica conduziria apenas a novos saberes e a novas tecnologias, que somente radicalizariam a desumanização do homem como mero instrumento de medir e de contar. Mais uma vez, o processo desaguaria em decepção, numa pretensa, canhestra e insatisfatória divinização da Natureza, que abriria espaço para uma nova emergência (eternamente malsucedida) de Leviatã. O resultado desse conflito cíclico entre os “deuses imanentes”, que enlouqueceria a comunidade humana, seria, na lição de Carvalho, apenas a potenciação da natureza, de Behemoth, ainda que eternamente acossado por Leviatã.

No Livro V, propõe-se a seguinte pergunta: quia bono? Quem ganha com isso, a quem serve o iogue-comissário? A resposta de Carvalho, desenvolvida ao longo do texto, é que, por trás das tentativas modernas de divinizar o imanente, existe um tema mais antigo e permanente: a obsessão ocidental com a construção de um império. A construção desse império passaria por quatro translações: de Roma para Bizâncio (essa translação não é objeto de estudo no livro), de Bizâncio para diversas instituições políticas candidatas à formação de um império ocidental na cristandade medieval (a primeira vez sob Carlos Magno e a segunda na forma do Sacro Império Romano), depois para os impérios nacionais modernos (com o advento das viagens transcontinentais) e, por fim, para sua última encarnação imperial, consubstanciada nas repúblicas nacionais surgidas da revolução francesa e americana.

Carvalho identifica as origens do projeto imperial no ocidente cristão em três fatores, que teriam se tornado presentes após a queda do Império Romano no ocidente: o acúmulo de funções estatais nas mãos da igreja, a necessidade de proteger a Europa cristã das invasões dos bárbaros e a necessidade de afirmar a independência da igreja com respeito a Bizâncio. Essa conjunção de fatores teria impelido a igreja a construir um império cristão, entendido como seu braço armado para intervir em conflitos com os bárbaros e Bizâncio, e para o qual poderia, ela, a igreja, transferir suas responsabilidades recém-adquiridas.

Nenhum comentário: